O golpismo bolsonarista: do bloqueio das estradas às consequências dos ataques de 8 de janeiro
Era
noite de 30 de outubro, poucas horas após a confirmação da vitória
de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no segundo turno das
eleições presidenciais de 2022. Enquanto partidários do petista celebravam em
todas as partes do país, eleitores inconformados do então presidente e candidato
derrotado, Jair Bolsonaro (PL), começaram a realizar bloqueios
em estradas. Começava uma série de atos golpistas que tomariam o noticiário
político do país nos meses subsequentes, e que o Brasil de Fato relembra agora.
Enquanto Bolsonaro, isolado, remoía a derrota,
sem conceder entrevistas e negando
contato até mesmo a assessores próximos, parte de seus apoiadores,
inicialmente identificados como caminhoneiros, montava barricadas e impedia que
veículos transitassem em rodovias. A Polícia Rodoviária Federal, que no dia da
eleição foi usada pelo bolsonarismo para tentar evitar que eleitores de Lula
chegassem a seus locais de votação, informou
que "monitorava" os episódios.
O silêncio do então presidente em fim de
mandato foi rompido apenas no dia 1º de novembro, dois dias após a eleição, quando
fez discurso dúbio e não reconheceu abertamente a vitória de Lula.
Na ocasião, afirmou que os atos golpistas, aos quais chamou de
"movimentos populares", eram "fruto de indignação e
sentimento de injustiça, de como se deu o processo eleitoral", sem explicar
a que "injustiças" se referia.
Motivados pelo discurso do "mito",
muitas vezes agressivos, e contando com apoio de parte da população e do
empresariado, bolsonaristas insistiram em suas alegadas
"manifestações" nas estradas. No dia 2, feriado de finados, Bolsonaro
foi às redes sociais pedir que as rodovias fossem desbloqueadas, mas
demonstrando apoio
às manifestações golpistas.
Ainda no dia 2 de novembro, forças de
segurança foram mobilizadas para desmontar
as barricadas e liberar o fluxo de veículos pelas rodovias. Os
bloqueios totais das estradas só
acabaram na noite de 3 de novembro, quatro dias após o
fechamento das urnas. Mas não era o fim do golpismo bolsonarista.
Nascem os acampamentos de
"patriotas"
O país começava a acompanhar os primeiros
movimentos de Lula e de seus aliados para formação do novo governo quando o
autoproclamado movimento "patriótico" começou a mudar o foco de sua
atuação. Ainda no feriado de finados, foram registrados os primeiros
"atos" junto a quartéis das forças armadas, com direito, inclusive, a saudações
nazistas.
Naquela primeira semana de novembro, com os
esforços para desbloqueio das estradas, começaram a se consolidar os "acampamentos"
que tomariam as calçadas, praças e parques junto às instalações da Marinha,
Aeronáutica e, principalmente, do Exército, por todo o país.
Embora houvesse cientistas e analistas
políticos que apostassem em um enfraquecimento
natural do golpismo, as cenas que causavam incredulidade
quando compartilhadas (como
os "patriotas" que pediam ajuda extraterrestre) se
repetiam semana após semana. Os
chefes militares da época se manifestaram, mas não condenaram as
posturas antidemocráticas.
Parlamentares bolsonaristas, em tentativas
desesperadas de reverter por caminhos criminosos o resultado da eleição, atuaram
para engajar as redes sociais em seus pedidos por golpe de estado.
O Supremo Tribunal Federal, enquanto isso, trabalhava para identificar as
pessoas e empresas que financiavam os acampamentos - que
muitas vezes tinham infraestruturas dignas de megaeventos.
Autoproclamados "patriotas", que se
revezavam sob chuva e sol, se viam cumprindo uma
missão histórica, ou até mesmo uma cruzada religiosa. Porém,
antes de assumir o ministério da Justiça, Flávio Dino demonstrou preocupação
com o andamento das "manifestações", e afirmou que os acampamentos
tinham se tornado incubadoras
de terroristas.
"Aquele pessoal
dos acampamentos vivia em um mundo paralelo. Conversei com algumas
pessoas, escutei relatos que falei ´não é possível que essa pessoa está falando
isso´. Teve um que me abordou um dia lá, falou pra mim que era um
extraterrestre. Que estava ali infiltrado, e que assim que o exército tomasse,
os extraterrestres iam ajudar o exército a tomar o poder", relatou, já em
2023, o coronel da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) Jorge Naime,
ex-comandante do Departamento Operacional da corporação.
O último mês de Bolsonaro ocupando a
presidência foi marcado por episódios como uma tentativa
de invasão de prédio da Polícia Federal, em 12 de dezembro, e
por pelo menos duas
ameaças de bomba em Brasília nos dias próximos ao Natal.
Era o prenúncio do que viria no mês seguinte.
Novo governo assume, e vem o 8 de
janeiro
Havia grande expectativa para o dia da posse
de Lula na presidência, em 1º de janeiro. Um
esquema especial foi montado para garantir a segurança de
milhares de pessoas que se reuniram na capital federal. O dia foi de festa. A
cerimônia de posse transcorreu sem problemas graves, e o clima
era de aparente tranquilidade.
Parte dos "patriotas", porém, seguia
mobilizada, em Brasília e em cidades por todo o país. A mobilização cresceu e
ganhou forma. E chegou o 8 de janeiro, dia de um dos episódios mais
vergonhosos, tristes e absurdos da história do Brasil, quando bolsonaristas partiram
para o ataque contra prédios públicos na Praça dos Três Poderes.
As imagens que circularam por todo o mundo
chocaram. Houve consequências relevantes no cenário político, como o afastamento
temporário do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha; a
prisão do então secretário distrital de Segurança Pública,
Anderson Torres; e a intervenção
federal na segurança no DF, encerrada
em 31 de janeiro.
De lá para cá, as investigações avançaram.
Centenas de pessoas acusadas de financiamento ou envolvimento direto nos atos foram
presas, em diversas partes do país. Além disso, documentos
mostraram falhas na segurança e leniência de militares.
Após vídeo, ministro de Lula cai;
CPMI a caminho
Desde os primeiros instantes, o bolsonarismo
mostrou estar confuso sobre como agir em relação à quebradeira de 8 de janeiro.
Entre parlamentares e aliados próximos do agora ex-presidente, houve aqueles
que se manifestaram nas redes sociais apoiando as "manifestações",
mas depois tiveram de recuar. Outros, porém, tentaram se esquivar desde os
primeiros momentos.
Mesmo com as fartas evidências de que os
principais envolvidos nos ataques (como financiadores ou executores) são
apoiadores de Bolsonaro ou pessoas ligadas a ele, os parlamentares ligados ao
ex-presidente adotaram uma narrativa
paralela, reforçada pelo vídeo divulgado na última quarta-feira
(19) pela CNN Brasil.
As imagens mostram o agora
ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional de Lula, Gonçalves Dias,
circulando por corredores do Palácio do Planalto no dia dos ataques.
Rapidamente, o bolsonarismo voltou à carga na busca por uma Comissão
Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) que investigaria os atos
antidemocráticos, em mais uma tentativa de mudar o foco e incriminar (sabe-se
lá como) pessoas ligadas ao governo Lula pelos atos causados pelos apoiadores
do antecessor.
Em um dos últimos movimentos do caso, houve a formação
de maioria no Supremo Tribunal Federal para que os golpistas se tornem réus.
A provável criação da CPMI - que agora tem apoio formal de lideranças do
governo no congresso - deve trazer novos capítulos à novela.
Escrito por: Felipe Mendes
Edição:
Thalita Pires
Fonte: Brasil de Fato